Dezembro 03, 2024

Minuto da consciência crítica: Depressão generalizada Destaque

O homem de fluxos tensos, que vive no ritmo da economia financeira, está sujeito a “crashes” pessoais.

Para Alain Ehrenberg, o culto do desempenho leva a maioria das pessoas a provar sua insuficiência e conduz a formas depressivas em grande escala.

É notório que o diagnóstico de "depressão" se multiplicou por sete de 1979 a 1996, uma verdadeira doença de "fin-de-siècle", como foi a "neurastenia".

A depressão é, na verdade, o outro lado do desempenho, uma resposta do sujeito à injunção de se realizar e ser responsável por si mesmo, de se superar cada vez mais na aventura empresarial.

"O indivíduo é confrontado mais com uma patologia da insuficiência do que com uma doença da falta, mais com o universo da disfunção do que com o da lei: o depressivo é um homem em pane".

O sintoma depressivo já faz parte da normatividade como elemento negativo desta última, sujeito que não aguenta a concorrência pela qual pode entrar em contato com os outros é um ser fraco, dependente, que se suspeita não estar “à altura do desafio".

O discurso da "realização de si mesmo" e do "sucesso de vida" leva a uma estigmatização dos "fracassados", dos "perdidos" e dos infelizes, isto é, dos incapazes de aquiescer à norma social de felicidade.

O "fracasso social" é visto, em última instância, como uma patologia.

Quando a empresa se torna uma forma de vida uma Lebensführung, como diria Max Weber -, a multiplicidade de escolhas que se devem fazer dia a dia, o encorajamento a assumir riscos continuamente, a incitação permanente à capitalização pessoal podem causar com o tempo um "cansaço do si mesmo".

Um universo comercial cada vez mais complexo faz potencialmente de cada ato o resultado de uma coleta de informações e de uma deliberação que tomam tempo e exigem esforço: o sujeito neoliberal deve ser previdente em todos os domínios (seguros de todos os tipos), deve fazer escolhas em tudo como se se tratasse de um investimento ("fundo de educação", "fundo de saúde", "fundo de aposentadoria"), deve optar de forma racional, dentro de uma ampla gama de ofertas comerciais, ao contratar os serviços mais simples (a hora e a data da viagem que fará de trem, a forma de encaminhamento de sua correspondência, seu acesso à internet, seu fornecimento de gás e eletricidade).

O remédio mais propalado para essa "doença da responsabilidade", essa usura provocada pela escolha permanente, é uma dopagem generalizada.

O medicamento faz as vezes da instituição que não apoia mais, não reconhece mais, não protege mais os indivíduos isolados.

Vícios diversos e dependências às mídias visuais são alguns desses estados artificiais.

O consumo de mercadorias também faria parte dessa medicação social, como suplemento de instituições debilitadas.

Essa sintomatologia depressiva é associada com frequência a uma demanda não satisfeita de reconhecimento dirigida aos empregadores.

No entanto, longe de ser ignorada, essa dimensão da dignidade, da autoestima e do reconhecimento é, como vimos, onipresente na retórica gerencial.

Sem dúvida, devemos ver essa demanda como tradução de um fenômeno importante: o da relação do sujeito com instituições que não têm mais condições de dotá-lo das identidades e dos ideais que o fariam duvidar menos de seu próprio valor.

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O GOZO DE SI DO NEOSSUJEITO

Nas sociedades antigas, o sacrifício de uma parte de gozo era produtivo. As grandes construções religiosas e políticas, seus edifícios dogmáticos e arquiteturais atestam essa produção.

No primeiro capitalismo, o capital acumulado era ainda um produto desse tipo, fruto das restrições impostas ao consumo tanto das classes populares como da burguesia.

Para a economia política clássica, a perda era interpretada como um custo tendo em vista um benefício.

Hoje é diferente. Se a perda é denegada, a ilimitação do gozo pode ser mobilizada no plano imaginário a serviço da empresa, pega ela mesma em lógicas imaginárias de expansão infinita, de valorização sem limites na bolsa.

Para isso, é claro, é necessário passar por uma racionalização técnica da subjetividade, mas será sempre para que ela "se realize".

O trabalho não é castigo, é gozo de si por intermédio do desempenho que se deve ter. Não há perda, porque é imediatamente "para si" que o indivíduo trabalha.

Portanto, o objeto da denegação é o caráter heteronômico da ultrassubjetivação, isto é, o fato de que a ilimitação do gozo no além de si seja alinhada à ilimitação da acumulação mercantil.

O que distingue a nova lógica normativa é que ela não exige uma renúncia total do indivíduo em proveito de uma força coletiva invencível e de um futuro radioso, mas deseja obter uma sujeição não menos total de sua participação num jogo "ganha-ganha", segundo a fórmula eloquente que supostamente explica a vida profissional e social.

Enquanto no velho capitalismo todo mundo perdia alguma coisa (o capitalista perdia o gozo garantido de seus bens pelo risco assumido, e o proletário, a livre disposição de seu tempo e força), no novo capitalismo ninguém perde, todos ganham.

O sujeito neoliberal não pode perder, porque é a um só tempo o trabalhador que acumula capital e o acionista que desfruta dele.

Ser seu próprio trabalhador e seu próprio acionista, ter um desempenho sem limites e gozar sem obstáculos os frutos de sua acumulação, esse é o imaginário da condição neossubjetiva.

A espécie de desacoplamento verificado pelo diagnóstico clínico dos neossujeitos - o estado de suspensão fora dos quadros simbólicos, a relação flutuante com o tempo, as relações com os outros reduzidas a transações pontuais - não é disfuncional com relação aos imperativos do desempenho ou às novas tecnologias de rede.

O essencial aqui é compreender que a ilimitação do gozo de si é, na ordem do imaginário, o exato oposto da dessimbolização.

O sentimento de si é dado no excesso, na rapidez, na sensação bruta proporcionada pela agitação, o que certamente expõe o neossujeito à depressão e à dependência, mas também possibilita aquele estado "conexionista" do qual ele tira, na falta de um vínculo legítimo com uma instância outra, um apoio frágil e uma eficácia esperada.

O diagnóstico clínico da subjetividade neoliberal nunca deve perder de vista que o "patológico" é parte da mesma normatividade que o "normal".

………….

(A nova razão do mundo - Ensaio sobre a sociedade neoliberal - Pierre Dardot e Christian Laval - págs. 366/367 - 372/374)

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