Encerrado o período de vinte e um anos da torturadora e assassina ditadura militar de 1964, o país vivia a ânsia pela urgente respiração de ares menos obscuros e pesados.
As conjunturas econômica e de mobilização política e sindical ajudaram a acelerar o processo e, a contragosto da burguesia nacional, é elaborada e passa a vigorar a Constituição Federal de 1988, contendo avanços democráticos e instituindo importantes direitos na área social.
Isso tudo na contramão do que ocorria no plano internacional europeu e estadunidense, onde o neoliberalismo iniciava sua trajetória rumo a destruição do mundo do trabalho.
A nova Constituição veio trazer a tentativa de estabelecer bases menos conservadoras e agressivas ao funcionamento do sistema capitalista brasileiro e mais favorável, em tese, à elevação do nível das condições materiais de vida da classe trabalhadora.
Para tanto, definiu em determinadas áreas: perfis e parâmetros nacionais com viés político tendente, a longo prazo, a estabelecer um Estado de bem-estar social, ainda que mitigado.
A classe capitalista saiu, contudo, em certa medida, derrotada desse processo e, portanto, insatisfeita com os novos rumos: democráticos e republicanos, delineados a partir das pressões populares.
A elevação, mesmo mínima, liberal e muitas vezes meramente teórica, da intensidade da democracia brasileira não agradava aos muito ricos, que, porém, não ficaram restritos às suas insatisfações e partiram para ação.
Pouco tempo depois do início da vigência da CF, foi iniciada uma longa disputa para desmonte paulatino das previsões constitucionais de ganhos coletivos, vide, hoje em dia, as inúmeras emendas à Constituição aprovadas ao longo de anos de sucessivas incursões neoliberais.
Referido processo de retrocessos fica ainda mais claro e evidente quando observamos a tríade de temas muito sensíveis à burguesia nacional representada pelas reformas: previdenciária, trabalhista e administrativa. Todas, em níveis diferentes, já foram implementadas por governos diversos.
Inaugurada, como ideologia “inescapável”, na gestão federal de Fernando Collor de Mello e agravada, fundamentalmente, em ações concretas na de Fernando Henrique Cardoso, a reforma administrativa, tal qual a da previdência, retorna, periodicamente, à pauta política nacional como medida “saneadora” e “inadiável” para “economia” de recursos públicos.
Atualmente, não há, entretanto, aparentemente, espaço político adequado de consenso popular favorável ao avanço de mais uma ampla reforma administrativa patrocinada pelo empresariado diretamente interessado nos lucrativos efeitos dos desmontes dos serviços públicos.
Diante do travamento momentâneo, no seu lugar, no entanto, surgem, no judiciário, medidas institucionais paralelas que representam a introdução da incerteza quanto ao futuro profissional e a precariedade quanto ao destino das atribuições inerentes aos cargos efetivos de sua estrutura de base.
Tais medidas, consideradas em seu aspecto neoliberal de trazer instabilidade laboral à base de servidores do judiciário brasileiro, configuram, na prática, uma maneira silenciosa e quase imperceptível de reforma administrativa, quando começam a ser estudadas e executadas alterações desestabilizantes das relações de trabalho em prejuízo aos interesses dos de servidores concursados e da própria qualidade da prestação dos serviços públicos.
Assim, espalhados por tribunais diversos, temos distribuídos:
● o programa de residência jurídica;
● o incentivo cada vez maior à implantação da inteligência artificial com tendência a valorização dos profissionais de TI nos concursos públicos em detrimento dos demais cargos;
● a desjudicialização da execução com buscas e apreensões de veículos a serem privatizadas e realizadas pelos cartórios;
● o domicílio judicial eletrônico;
● e, mais recentemente, as propostas de extinção de cargos em alguns tribunais, em especial, em relação aos oficiais e analistas do TJ-RN, com criação paralela de várias funções comissionadas, a desvalorizar o servidor concursado e abrir portas ao nepotismo cruzado.
Como situação agravante, temos, também, nos últimos tempos, a disputa orçamentária interna com a magistratura através da criação de benefícios salariais exclusivos aos juízes. Quando sabemos que uma pretensa ou alegada economia de recursos financeiros decorrente de tais medidas será, muito provavelmente, absorvida em favor das cúpulas.
Quanto ao conjunto da nossa categoria, nos resta tomar consciência da necessidade de preparo para o embate contra o esvaziamento das atribuições e suas consequências de desvalorização e precarização do trabalho, onde a solução é a união, na luta, de Analistas, Técnicos, Oficiais e Policiais, todos reunidos contra os sérios prejuízos iminentes e cada vez mais próximos.
● Solon Filho ●
Trabalhador - Servidor Público Federal.
Diretor de Formação Política e Sindical do Sintrajufe-CE.
Integrante do Movimento Luta de Classes - MLC.
Membro filiado à Unidade Popular pelo Socialismo - UP.
Ex-diretor da Casa da Amizade Brasil-Cuba no Estado do Ceará.
Ex-presidente da Associação dos Oficiais de Justiça Avaliadores Federais no Estado do Ceará - ASSOJAF/CE