Novembro 21, 2024

Minuto da consciência crítica: Risco - Uma dimensão de existência e um estilo imposto Destaque

O novo sujeito é visto como proprietário de "capital humano", capital que ele precisa acumular por escolhas esclarecidas, amadurecidas por um cálculo responsável de custos e benefícios.

Os resultados obtidos na vida são fruto de uma série de decisões e esforços que dependem apenas do indivíduo e não implicam nenhuma compensação em caso de fracasso, exceto as previstas nos contratos de seguro privado facultativo.

A distribuição dos recursos econômicos e das posições sociais é vista exclusivamente como consequência de percursos, bem-sucedidos ou não, de realização pessoal.

Em todas as esferas de sua existência, o sujeito empresarial é exposto a riscos vitais, dos quais ele não pode se esquivar, e a gestão desses riscos está ligada a decisões estritamente privadas. Ser empresa de si mesmo pressupõe viver inteiramente em risco.

Aubrey estabelece uma correlação estreita entre ambos: "O risco faz parte da noção de empresa de si mesmo"; "a empresa de si mesmo é reatividade e criatividade num universo em que não se sabe como será o dia de amanhã”.

Essa dimensão não é nova. Há muito tempo a lógica de mercado foi associada ao perigo das vendas fracas, das perdas, da falência. A problemática do risco é inseparável dos "riscos do mercado", dos quais desde a Idade Média era necessário saber se proteger por meio de técnicas de garantia.

A novidade reside na universalização de um estilo de existência econômica que era reservado aos empreendedores.

No alvorecer do século XVIII, o financista e fisiocrata Richard Cantillon estabeleceu como princípio "antropológico" a necessidade de distinguir os "homens de renda certa" dos "homens de renda incerta", isto é, os "empreendedores":

“Por todas essas induções e uma infinidade de outras que se poderia fazer sobre uma matéria que tem como objeto todos os habitantes de um Estado, pode-se estabelecer que, exceto o príncipe e os proprietários de terra, todos os habitantes de um Estado são dependentes; que estes podem dividir-se em duas classes, a saber, empreendedores e empregados; e que os empreendedores têm renda incerta, e todos os outros têm renda certa, enquanto gozarem dela, embora suas funções e suas posições sejam muito desproporcionais. O general que tem uma remuneração, o cortesão que tem uma pensão e o criado que tem um salário entram todos nessa última categoria. Todos os outros são empreendedores, quer por se estabelecerem com um fundo para tocar sua empresa, quer por serem empreendedores de seu próprio trabalho sem nenhum fundo, e por se poder considerar que vivem na incerteza; mesmo os patifes e os ladrões são empreendedores dessa classe”.

Hoje, todos os indivíduos deveriam ter "renda incerta", inclusive "patifes e ladrões".

Esse é o teor das estratégias políticas ativamente encorajadas pelo patronato.

Aliás, a oposição entre dois tipos de homens, os "riscófi- lo” dominantes corajosos, e os “riscófobos", dominados temerosos, foi consagrada por dois teóricos ligados ao patronato francês: François Ewald e Denis Kessler.

Esses autores afirmavam que toda "refundação social" pressupunha a transformação do maior número de indivíduos em "riscófilos".

Alguns anos mais tarde, Laurence Parisot, líder do patronato francês, diria de maneira mais direta: "A vida, a saúde e o amor são precários, por que o trabalho escaparia dessa lei?”.

Devemos entender por essa declaração que as leis positivas deveriam curvar-se a essa nova "lei natural" da precariedade. Esse discurso dá ao risco uma dimensão ontológica, gêmea do desejo que move cada um de nós. Obedecer ao próprio desejo é correr riscos.

No entanto, se desse ponto de vista "viver na incerteza" aparece como um estado natural, as coisas aparecem com uma feição muito diferente quando são situadas no terreno das práticas efetivas.

Quando se fala em "sociedades de risco", é preciso esclarecer do que se trata.

O Estado social tratou sob a forma de seguro social obrigatório alguns riscos profissionais ligados à condição de assalariado.

Hoje, a produção e a gestão dos riscos obedecem a uma lógica muito diferente.

Trata-se, na realidade, de uma criação social e política de riscos individualizados que podem ser geridos não pelo Estado social, mas por empresas - cada vez mais poderosas e numerosas - que propõem serviços estritamente individuais de "gestão de riscos".

O "risco" tornou-se um setor comercial, na medida em que se trata de produzir indivíduos que poderão contar cada vez menos com formas de ajuda mútua de seus meios de pertencimento e com os mecanismos públicos de solidariedade.

Do mesmo modo e ao mesmo tempo que se produz o sujeito de risco, produz-se o sujeito da assistência privada.

A maneira como os governos reduzem a cobertura socializada dos gastos com doenças ou aposentadoria, transferindo sua gestão para empresas de seguro privado, fundos comuns e associações mutualistas intimados a funcionar segundo uma lógica individualizada, permite estabelecer que se trata de uma verdadeira estratégia.

Aliás, a nosso ver, é isso que deve ser retido dos trabalhos de Ulrich Beck e da Sociedade de risco. Para ele, o capitalismo avançado destrói a dimensão coletiva da existência: destrói não só as estruturas tradicionais que o precederam, sobretudo a família, mas também as estruturas que ajudou a criar, como as classes sociais.

Assistimos a uma individualização radical que faz com que todas as formas de crise social sejam percebidas como crises individuais, todas as desigualdades sejam atribuídas a uma responsabilidade individual.

A maquinaria instaurada "transforma as causas externas em responsabilidades individuais e os problemas ligados ao sistema em fracassos pessoais".

O que Beck chama de "agentes de sua própria subsistência mediada pelo mercado" são os indivíduos "liberados" da tradição e das estruturas coletivas, liberados dos estatutos que lhes atribuíam um lugar.

Hoje, esses seres "livres" devem "autorreferenciar-se", isto é, dar-se referências sociais e adquirir um valor social à custa de uma mobilidade social e geográfica sem limite determinado.

………….

A nova razão do mundo - Ensaio sobre a sociedade neoliberal - Pierre Dardot e Christian Laval - págs. 346/348.

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