Minuto da consciência crítica: A modelagem da sociedade pela empresa Destaque

O passo inaugural, como dissemos, consistiu em inventar o homem do cálculo, que exerce sobre si mesmo o esforço de maximização dos prazeres e das dores requeridos pela existência de relações de interesse entre os indivíduos.

As instituições eram feitas para formar e enquadrar os sujeitos rebeldes a essa existência e fazer convergir interesses diversos. Mas os discursos das instituições, a começar pelo político, estavam longe de ser unívocos.

O utilitarismo não se impôs como a única doutrina legítima, muito pelo contrário. Os princípios continuaram misturados e, no fim do século XIX, surgiram considerações sociais", direitos “sociais" e políticas “sociais" nas relações econômicas que limitaram seriamente a lógica acumuladora do capital e contrariaram a concepção estritamente contratualista das trocas sociais.

A construção dos Estados-nações continuou a ser escrita com as antigas palavras da tradição dos juristas e a ser inserida em formas políticas estranhas à ordem da produção.

Em resumo, a norma de eficácia econômica continuou a ser contida por discursos heterogêneos a ela, a nova racionalidade do homem econômico continuou mascarada e embaralhada pela confusão de teorias.

Por oposição, o momento neoliberal caracteriza-se por uma homogeneização do discurso do homem em torno da figura da empresa.

Essa nova figura do sujeito opera uma unificação sem precedentes das formas plurais da subjetividade que a democracia liberal permitiu que se conservassem e das quais sabia aproveitar-se para perpetuar sua existência.

A partir de então, diversas técnicas contribuem para a fabricação desse novo sujeito unitário, que chamaremos indiferentemente de "sujeito empresarial ", "sujeito neoliberal" ou, simplesmente, neossujeito.

Não estamos mais falando das antigas disciplinas que se destinavam, pela coerção, a adestrar os corpos e a dobrar os espíritos para torná-los mais dóceis - metodologia institucional que se encontrava em crise havia muito tempo.

Trata-se agora de governar um ser cuja subjetividade deve estar inteiramente envolvida na atividade que se exige que ele cumpra.

Para isso, deve-se reconhecer nele a parte irredutível do desejo que o constitui. As grandes proclamações a respeito da importância do "fator humano" que pululam na literatura da neogestão devem ser lidas à luz de um novo tipo de poder; não se trata mais de reconhecer que o homem no trabalho continua a ser um homem, que ele nunca se reduz ao status de objeto passivo; trata-se de ver nele o sujeito ativo que deve participar inteiramente, engajar-se plenamente, entregar-se por completo a sua atividade profissional.

O sujeito unitário é o sujeito do envolvimento total de si mesmo. A vontade de realização pessoal, o projeto que se quer levar a cabo, a motivação que anima o "colaborador" da empresa, enfim, o desejo com todos os nomes que se queira dar a ele é o alvo do novo poder.

O ser desejante não é apenas o ponto de aplicação desse poder; ele é o substituto dos dispositivos de direção das condutas.

Porque o efeito procurado pelas novas práticas de fabricação e gestão do novo sujeito é fazer com que o indivíduo trabalhe para a empresa como se trabalhasse para si mesmo e, assim, eliminar qualquer sentimento de alienação e até mesmo qualquer distância entre o indivíduo e a empresa que o emprega.

Ele deve trabalhar para sua própria eficácia, para a intensificação de seu esforço, como se essa conduta viesse dele próprio, como se esta lhe fosse comandada de dentro por uma ordem imperiosa de seu próprio desejo, à qual ele não pode resistir.
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(Texto adaptado - págs. 326/327 - A N RZ MD - Pierre Dardot e Christian Laval)

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